terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Grande Mandela


Quilombos e o direito à terra


A questão quilombola esteve presente, do ponto de vista legal, tanto no regime colonial como no imperial.No período republicano, a partir de 1889, o termo "quilombo" desaparece da base legal brasileira e reaparece na Constituição Federal (CF) de 1988 (artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) como categoria de acesso a direitos, numa perspectiva de sobrevivência, dando aos quilombos o caráter de "remanescentes". Transcorrem assim 100 anos entre a abolição e o reconhecimento dos direitos territoriais das comunidades quilombolas



A Constituição de 1988 opera uma inversão de valores em comparação com a legislação colonial, uma vez que a categoria legal por meio da qual se classificava quilombo como um crime passou a ser considerada como categoria de autodefinição, voltada para reparar danos e acessar direitos. A partir do artigo 68 da CF e das legislações correlatas [artigos 215 e 216 da CF; Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); Decreto 4.887,de 2003; e Decreto 6.040,de 2007] a conceituação das comunidades quilombolas supera a identificação desses grupos sociais por meio de características morfológicas.Tais grupos, portanto, não podem ser identificados pela permanência no tempo de seus signos culturais ou por resquícios que venham a comprovar sua ligação com formas anteriores de existência.

Argumentações teóricas que caminhem nesse sentido implicam numa tentativa de fixação e enrijecimento da caracterização desses grupos. Conceber as comunidades quilombolas a partir dessa perspectiva tem levantado ponderações sobre as manipulações que podem ser empreendidas pelos próprios sujeitos sociais pertencentes a essa identidade étnica.Isto é base, inclusive,para a ação direta de inconstitucionalidade (Adin) impetrada pelo Partido Democratas (DEM) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o Decreto 4.887, que regulamenta a titulação de terras de quilombos e se constitui na perspectiva da autodeclaração da comunidade.

Os interesses contrários aos direitos quilombolas contestam, principalmente, o direito aos territórios das comunidades que, uma vez tituladas, se tornam inalienáveis e coletivas.As terras das comunidades quilombolas cumprem sua função social precípua, dado que sua organização se baseia no uso dos recursos territoriais para a manutenção social, cultural e física do grupo, fora da dimensão comercial. São territórios que contrariam interesses imobiliários, de instituições financeiras, grandes empresas, latifundiários e especuladores de terras. Os conflitos fundiários hoje existentes em comunidades quilombolas envolvem, na maior parte das vezes, esses atores.

O novo marco jurídico da Constituição de 1988 é determinante também para o estabelecimento e a organização do movimento quilombola, em nível nacional, que, a partir da construção de sua identidade étnica, reivindica o seu direito à terra. São poucas as comunidades que alcançaram esse direito.Das 3.554 comunidades quilombolas identificadas pelo governo federal (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, 2006), pouco mais de 100 possuem o título, segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

 As dificuldades existentes para efetivar a titulação das terras das comunidades quilombolas refletem a frágil capacidade administrativa da máquina estatal. Todavia, há disputas que superam as limitações administrativas e orçamentárias. São obstáculos explícitos ou não que ajudam a reter o reconhecimento de direitos étnicos pela propriedade definitiva das terras das comunidades quilombolas.Atualmente, a principal luta dos quilombolas se volta para a implementação de seus direitos territoriais. A noção de terra coletiva coloca em crise o modelo de sociedade baseado na propriedade privada como única forma de acesso à terra, instituído desde a Lei das Terras, de 1850. Os novos marcos jurídicos sinalizam para a necessidade de reestruturação, pelo Estado, da lógica agrária a partir do reconhecimento de seu caráter pluriétnico.


Bárbara Oliveira Souza

Poucos ainda podem entender